King Gizzard & The Lizard Wizard enfrentam a sua imitação digital e acendem o debate da AI na música
Quando os King Gizzard & The Lizard Wizard anunciaram, no verão passado, que estavam a retirar o seu catálogo inteiro do Spotify, parecia mais um capítulo na longa tensão entre músicos e plataformas de streaming, mas poucos meses depois, o absurdo ultrapassou a ficção científica, a banda australiana encontrou-se alvo de uma imitação feita por AI, prontinha a ocupar o espaço que deixaram vago, daí ao consegui-lo seria outro assunto.
A história começa logo após o lançamento de "Phantom Island", em junho, cansados da ligação do CEO do Spotify, Daniel Ek, a empresas de tecnologia militar e da forma como a plataforma remunera artistas, os King Gizzard & The Lizard Wizard decidiram sair, um gesto raro, radical e profundamente político, que apoiamos e respeitamos imenso. O que ninguém esperava é que fosse preenchido por uma versão artificial da banda.
A descoberta foi feita por um utilizador do Reddit, que partilhou a sua surpresa ao encontrar no seu Release Radar uma nova faixa de um artista chamado “King Lizard Wizard”, um nome que só não gritava “impostor” porque a situação era demasiado onírica para ser levada a sério à primeira. A canção chamava-se “Rattlesnake” e se até aqui, já estava a ser surreal, piorou ao perceber que a música soava perigosamente próxima da “Rattlesnake” real, lançada pelos King Gizzard & The Lizard Wizard em 2016. Letra, voz, o groove psicadélico completamente baseados no original, mas o intérprete era um algoritmo.
O perfil falso tinha ainda outras músicas, todas elas variações toscas, mas inquietantes imitações do som da banda. Capas de álbum geradas por AI tentavam recriar, sem brilho e sem a mesma qualidade, o estilo visual que os King Gizzard & The Lizard Wizard cultivam há mais de uma década. Tudo indica que alguém usou um modelo de AI para fabricar uma versão paralela da banda. Uma versão barata. Uma versão slop.
Confrontado com a situação, Stu Mackenzie, vocalista dos King Gizzard & The Lizard Wizard, respondeu como quem tenta rir para não chorar:
“Estou a tentar ver a ironia desta situação…
mas a sério, wtf — estamos verdadeiramente condenados.”
Os King Gizzard deixaram o Spotify precisamente para não compactuar com aquilo que consideram uma visão distorcida do futuro da música. E foram recebidos pelo futuro distorcido da música.
Do lado da plataforma, a resposta foi rápida e institucional:
“O Spotify proíbe estritamente qualquer forma de personificação de artistas. O conteúdo foi removido e não foram pagos royalties.”
Caso encerrado? Nada disso.
Mais do que um "clone", é um sintoma de uma doença que se avizinha, este episódio expôs de forma clara um fenómeno que tem crescido rapidamente: a proliferação de músicas geradas por AI que imitam artistas reais, sem o seu consentimento. Em setembro, o Spotify anunciou ter removido cerca de 75 milhões de músicas criadas por AI, parte de uma ofensiva contra conteúdos fraudulentos e tentativas de manipulação de royalties através de uploads massivos de música artificial.
Ainda assim, "clones" continuam a infiltrar-se em playlists personalizadas, escapar aos filtros de moderação e desafiar o próprio conceito de originalidade musical. Enquanto isto, as grandes editoras seguem numa direção ambígua, que achamos perigosa, como por exemplo a Universal, Sony e Warner estarem a assinar acordos que permitem treinar modelos de AI com gravações reais dos seus catálogos de artistas, criando desta forma um futuro onde artistas podem ter clones “oficiais”, versões autorizadas ou autorizáveis da sua própria voz. O uncanny valley nunca pareceu tão real ou tão inevitável.
Desde que abandonaram o Spotify, os King Gizzard & The Lizard Wizard têm apostado em modelos alternativos, como o Bandcamp, onde disponibilizaram álbuns com o sistema name-your-price, apostando na relação direta com os fãs. O Bandcamp a nosso ver para além dos álbuns físicos, é uma excelente alternativa de ouvirmos e termos os álbuns das bandas que gostamos e apoia-las.
Este último episódio, porém, empurra-nos
para uma discussão muito mais ampla: Quem controla a identidade de um
artista na era da AI?
O que significa ser “autêntico” quando
até as vozes podem ser clonadas em segundos?
E que parte do futuro da música está a
escapar pelos dedos sem que ninguém dá conta? Ou qual o futuro dos músicos e
dos concertos? Para não falar na qualidade.
Os King Gizzard & The Lizard Wizard tornaram-se um exemplo ao
sair do Spotify e agora com esta sua “colonização” deram também a excelente
oportunidade para repensar nisto da AI, no futuro da musica, da arte que é
ser-se músico, na música ao vivo e em tudo o que tudo isso envolve. Esta
descoberta dos “clones” deles é uma estranha descoberta e na verdade através da nossa perspectiva, é profundamente perturbador e afinal de contas acaba por ser o
reflexo do mundo atual, assim como sintetizou Stu Mackenzie, fazemos nossas as palavras dele:
“Estamos
verdadeiramente condenados.”
Fotografias de Paul Hudson














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