Uma noite, dois concerto: Sallim e Éme quando a canção se torna abrigo

By VoxPop - junho 01, 2025

Há salas que não servem apenas para ouvir música — transformam-se, elas próprias, em parte daquilo que se escuta. O DAMAS cave com chão gasto e paredes despidas, é um desses raros espaços em que a proximidade entre palco e plateia dissolve qualquer distância. Ali, o som espalha-se, ocupa o ar sem pressa. Foi este o cenário de uma noite íntima e rara, emque Sallim e Éme, dois nomes centrais da Cafetra Records, trocaram a ideia de espetáculo por algo mais simples e, por isso mesmo, mais profundo: a presença.

Sallim: quando a fragilidade se diz com firmeza

Sallim abriu a noite com uma atuação despojada, onde as palavras e os silêncios conviviam em igualdade. As suas canções, extraídas em parte de a dor, o diagnóstico e o desejo (2023), mas também de poemas soltos e canções reconfiguradas ao vivo, surgiram sem anúncio nem artifício. O que se ouviu foi uma sucessão de gestos contidos, pequenos, lentos, mas carregados de significado.

A voz de Sallim, feita de cristal e pausa, parecia por vezes hesitar, mas era essa hesitação que lhe dava verdade. Cada verso era escolhido com cuidado, como se cada palavra tivesse de provar que merecia estar ali. A guitarra, discreta e constante, servia de base e de amparo. Não havia pressa. Nem disfarce. A fragilidade é assumida como matéria principal.

O que se passou em palco foi quase como entrar num quarto com as cortinas corridas por dentro. Um lugar protegido, sem excessos. E ainda assim, imensamente generoso. Tao simples, ela uma guitarra e a sua suave voz. A sala, em silêncio total, compreendeu que ali não havia espectáculo. Havia alguém a dar-se e o abraço foi recebido com muito carinho. 

Éme: confidência em voz partilhada

Depois da delicadeza crua de Sallim, a noite manteve-se num estado de atenção rara. Éme subiu ao palco sem alarde, com a serenidade de quem se sabe entre iguais. A sua música é feita de imagens pequenas,  uma bicicleta a passar, o cheiro do café acabado de fazer, uma janela aberta à hora certa, memórias do passado, experiências que sentimos como nossas também. Mas é justamente nessa atenção ao detalhe que reside a força do seu trabalho.

Ao vivo, Éme é acompanhado por um grupo de músicos que não só o acompanha, mas constrói com ele. Moxila no cavaquinho e na flauta, Francisca Aires Mateus no violino, Carolina Rodrigues no baixo, e Kellzo na bateria. Cada um parece saber que ali o mais importante não é encher o som, mas dar-lhe espaço. O cavaquinho entrelaça-se com o violino como quem fala baixo. O baixo sustém o chão com doçura. A bateria de Kellzo marca o tempo com leveza e cuidado, quase como se batesse no ar. O violino abraça a história que é a letra de cada canção. 

Éme não canta como quem se dirige a uma multidão. Canta como quem se senta ao lado e fala, devagar. As suas canções são cartas abertas, onde o mais banal ganha contorno emocional. Não há refrões marcantes nem grandes crescendos, há pequenos fragmentos de vida, alinhados com precisão e ternura. O resultado é uma música que não se impõe, mas sente-se, atenta-se a letra e vive-se aquela experiência. Dentro que um alarido de bandas que parecem ter todas o mesmo tipo de som, é uma brisa de ar fresco artistas como Eme que só ele e a guitarra fazem músicas e letras que enchem, que mexem com emoções.

Escuta como acto de proximidade

Sallim e Éme, cada um à sua maneira, mostraram que a canção pode ser mais do que entretenimento: pode ser uma forma de aproximação. Sentimos que foi uma noite de escuta mútua — entre quem canta e quem ouve. E, sobretudo, entre quem sente e para nós não há concertos mais especiais do que aqueles que nos fazem sentir. 

No final da noite, os aplausos não vieram por reflexo, mas por gratidão. Como quem diz: “obrigado por teres partilhado isso comigo”. Num tempo em que tanto da música ao vivo se transforma em ruído ou distração, esta noite lembrou-nos que o essencial ainda é possível. Que uma sala, um grupo de pessoas e vozes honestas podem bastar para criar um espaço onde vale a pena estar. E ouvir.

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