O concerto dos Quelle Dead Gazelle no Musicbox foi um exercício de energia controlada, execução precisa e envolvimento total do público. Com Filho da Mãe e Afonso Serro a reforçarem o núcleo criativo da banda, o resultado foi um espetáculo coeso, poderoso e sem quebras de intensidade.
Musicalmente, a banda apresentou-se em excelente forma. Miguel Abelaira, na bateria, esteve irrepreensível: a sua abordagem rítmica é agressiva mas calculada, com um domínio técnico evidente e uma força física impressionante. Cada secção era conduzida com clareza, e o groove mantinha-se firme mesmo nos momentos mais caóticos.
Pedro Ferreira, na guitarra, foi responsável por alguns dos momentos mais marcantes da noite. Com uma abordagem que mistura riffs pesados, noise e melodias fragmentadas, Ferreira não se limita a acompanhar, ele conduz. A sua pedalboard bem explorada e a forma como manipula o feedback e os efeitos garantem uma presença sonora dominante e versátil. A guitarra não está ali para preencher, está para provocar, cortar, deslocar. E adoramos isso. O resultado é uma presença sonora imprevisível mas sempre intencional.
Filho da Mãe acrescentou peso e textura com a sua guitarra inconfundível. O seu estilo, que alterna entre técnica apurada e momentos que pareciam de improvisação crua e perfeita, encaixou de forma natural no universo dos Quelle Dead Gazelle. Não procura o protagonismo, mas impõe presença. O som que tira do instrumento é incisivo, emocional e, por vezes, quase desconfortável, no bom sentido. A sua contribuição deu à atuação uma dimensão adicional: mais crua, mais instintiva e avassaladora.
Afonso Serro, nos sintetizadores, teve um papel mais atmosférico mas igualmente essencial, criou camadas subtis que reforçaram a densidade sonora sem nunca sobrecarregar a mistura. Com sons sublimes e modulações envolventes, ajudou a moldar os espaços entre os instrumentos, preenchendo o ambiente sem se sobrepor.
Fora da execução técnica, foi Miguel Abelaira quem assumiu também o papel de ligação direta com o público. Com um sentido de humor afiado e uma presença descontraída, foi gerindo os momentos entre temas com piadas espontâneas e comentários certeiros. Esses momentos ajudaram a criar uma dinâmica de proximidade, a equilibrar o peso do som com leveza e empatia. A energia não se quebrou, redirecionou-se. O público reagiu não só com atenção e movimento, mas também com riso e reconhecimento.
Esse equilíbrio foi decisivo para o impacto da noite. A intensidade musical nunca se tornou opressiva, precisamente porque havia espaço para a comunicação, para a partilha. A banda manteve o foco e a solidez, mas sem perder o lado humano. Foi uma atuação onde a técnica e a entrega emocional caminharam lado a lado e o público correspondeu com atenção, entrega e energia.
Quelle Dead Gazelle confirmaram, uma vez mais, que são uma das propostas mais consistentes e desafiantes da cena nacional. E ao vivo, mostram que não basta tocar bem, é preciso saber estar em palco, criar ligação e transformar uma atuação num momento que se partilha, em tempo real, com todos os que estão ali, criar uma ligação com o público através de todos os sentidos. Já tinhamos muitas saudades de os ver ao vivo, foi uma noite muito especial, que guardamos com muito carinho na nossa memória.
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