Escárnio, Gatafunho e Cortada: A arte do ruído e da rebeldia na ZDB

By VoxPop - maio 22, 2025

    Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, foi o cenário ideal para uma noite de sons intensos e propostas audaciosas. O punk reinventado por três bandas que deixam claro que o ruído é, mais do que nunca, um campo fértil para a resistência e a expressão. Uma noite inesquecível de experimentação sonora. Escárnio, Gatafunho e Cortada trouxeram consigo uma nova definição do que é o punk hoje, mais imprevisível, mais polido nas margens do ruído e, acima de tudo, com um compromisso forte com o que é subversivo, urgente e radical.

Escárnio: O Novo Grito Feminista

    Escárnio, banda liderada por Violeta Luz, estreou-se ao vivo com o EP Falha-me Deus, num set que, embora relativamente curto, fez questão de estabelecer uma presença sonora e política imediata. A proposta da banda é um punk cru que, em termos sonoros, soa à velha guarda, mas com uma dimensão extra: a vocalização de Violeta não se limita a ser apenas uma emissão, mas um grito de afirmação feminista. As guitarras são secas e a bateria, sem grandes adornos, mantém a dinâmica simples, mas eficaz, focada na intensidade. O desempenho ao vivo foi marcado pela garra e pela entrega da vocalista, que soube tirar partido da sua posição no palco, mesmo que ainda com algum espaço para explorar a teatralidade do momento. O uso das letras, diretas e intensas, revelou um caráter reivindicativo, que transporta para o público a urgência da voz feminina no contexto do punk atual.

Gatafunho: A Irreverência do Caos Organizado

    Com Gatafunho, o caos e a imprevisibilidade foram os protagonistas. O grupo portuense, com a sua mistura de punk e eletrónica experimental, levou o público da ZDB a uma viagem sonora de desintegração e reconquista. O set foi uma montanha-russa de dissonâncias, com batidas industriais, samples caóticos e loops psicadélicos, onde a voz se dissolvia entre o digital e o analógico. O punk aqui não tem forma: é uma entidade líquida e descontrolada, como se fosse menos uma música do que um acontecimento. O erro, o glitch e a falha são deliberadamente integrados na proposta, quebrando a linearidade da composição. O resultado foi uma performance performática e física, onde a interação com o público foi uma extensão natural da própria música, não só a via de expressão do grupo, mas também uma plataforma de ruptura. Se a mensagem era alguma, estava entre o absurdo e a crítica à saturação digital e pós-pandémica.

Cortada: Noise-Punk de Precisão Cirúrgica

    A fechar a noite, Cortada apresentou Gānbēi, o seu novo álbum, que foi traduzido ao vivo com a precisão e intensidade de uma descarga elétrica.  Levaram ao palco a sua proposta noise-punk com uma agressividade que, em termos técnicos, não deixou margem para dúvida: o som de Cortada é pesado, abrasivo e imperturbável. A bateria é constante e agressiva, o baixo mantém-se denso e tenso, enquanto a guitarra corta o espaço com distorções que rasgam. O vocal, em overdrive, perde clareza em favor da expressão visceral e não há espaço para nuances — o objetivo é a saturação sensorial. Ao contrário de outros projetos do género, a performance de Cortada não se perde no caos; ao invés disso, revela uma construção tensa, onde cada parte da canção serve o todo. A atenção aos detalhes na produção ao vivo foi um ponto alto, mantendo a brutalidade sem sacrificar a definição do som.




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