The 113 ao vivo no Sons no Montijo: uma tempestade de tensão e lucidez pós-punk
Na noite abafada de 25 de julho, o Montijo foi varrido por uma descarga de som cru, denso e sem concessões. Os britânicos The 113 chegaram sem artifícios e deixaram o público em transe com uma atuação marcada pela precisão cirúrgica, intensidade emocional e um alinhamento poderoso. Para muitos, foi o concerto do festival. Para quem não os conhecia, foi uma apresentação que atravessou a pele e ficou colada aos ossos.
Os 113 motivos para
os ouvir (ou pelo menos 13)
Originários do
Reino Unido, os The 113 não são uma banda para quem procura conforto. A sua
sonoridade vive no ponto de fricção entre a claustrofobia urbana e a libertação
emocional. Com raízes profundas no pós-punk, naquele território sombrio e
urgente que floresceu com Joy Division, Wire, The Fall ou, mais recentemente,
Crows e Spectres, a banda constrói paisagens sonoras onde o desconforto é arte.
E nós adoramos pós-punk, adoramos o desconforto do som e das palavras, pois
mexem com emoções e música que mexe com emoções vale tudo.
A estética é minimalista, mas a intensidade é total. Letras que falam de apatia, dissociação, ansiedade, alienação, mas também da beleza estranha de observar tudo isso acontecer em tempo real. A sua música pulsa com o peso do concreto e o vazio dos espaços entre palavras. É música feita para ser sentida com o estômago.
Setlist e narrativa
foi uma espiral a partir do abismo. A noite começou com “Backpedaler”, uma
abertura que serve de declaração de intenções, não há um terreno seguro, apenas
terreno verdadeiro. Com guitarras em loop hipnótico e uma secção rítmica
implacável, a banda criou logo ali um vórtice de tensão. O vocalista, olhar
fixo num ponto imaginário, parecia distante e presente ao mesmo tempo, o que
quanto a nós torna a sua presença muito intensa e interessante.
“Futility” e “Rats”
foram socos sucessivos. A primeira, mais arrastada, mergulha-nos num estado de
quase inércia emocional, enquanto a segunda atira-nos diretamente para o caos,
com guitarras abrasivas, quase dissonantes, e uma entrega vocal que parecia
cuspir desespero.
Em “Vacant”, o tom
muda: menos agressiva, mas mais cortante. Aqui sente-se a herança dos Interpol
em dias emocionalmente maus, ou dos Protomartyr em modo contemplativo. A
guitarra ecoava como um radar num deserto emocional, enquanto a letra falava de
ausência como se fosse um lugar onde se pode viver, ou melhor conviver com a
ausência como uma melhor amiga.
No miolo do
concerto, com temas como “Idle”, “Too Awake” e “Nothing”, a banda entrou numa
fase quase ritualística, com camadas e camadas de tensão, com momentos em que o
silêncio entre faixas era tão pesado quanto o ruído. As dinâmicas entre estrofe
e explosão tornaram-se quase previsíveis, mas sempre eficazes. O público, já
rendido, oscilava entre o transe emocional e o confronto físico. Adoramos isso
nesta banda, eles sobretudo o vocalista enfrenta-nos com o seu olhar, como se
estivesse a avaliar-nos mas a sentir o que canta ao mesmo tempo.
“When I Leave” e
“Presence” mostraram uma faceta mais melódica e emocionalmente crua. Em
particular, “Presence” foi um dos momentos altos, não tanto pela estrutura da
música, mas pela entrega desarmante da banda. Foi ali que o concerto tocou no
sublime: quando o ruído se tornou catarse.
O encerramento foi
uma tríade destrutiva: “Fatigue”, “Conscience” e “Pretend”. “Fatigue” soou como
o hino involuntário de uma geração exausta. “Conscience” teve algo de
espiritual, como se os fantasmas da cidade industrial de onde vieram tivessem
subido ao palco. E “Pretend” — última do alinhamento — funcionou como epílogo
perfeito: uma reflexão quase niilista, onde tudo se desmorona com beleza.
O espaço e o som, o
contraste entre a música áspera da banda e o cenário bucólico da frente
ribeirinha do Montijo só aumentou o impacto. O som esteve, felizmente, à
altura: poderoso sem se tornar turvo, com um equilíbrio perfeito entre a secção
rítmica e as guitarras. Não havia distrações visuais, apenas luzes e sombras
duras, como num laboratório emocional.
The 113 provaram no
Sons no Montijo que são mais do que uma promessa, são uma realidade. A sua
atuação foi um mergulho lúcido e brutal numa paisagem emocional onde poucos se
atrevem a ir. Não há refrões fáceis, nem momentos “de festival”. Há, sim, verdade.
E isso, hoje em dia, é mais raro do que devia, por isso gostamos tanto desta
banda, que nunca tínhamos tido oportunidade de ver, mas depois deste concerto,
queremos muito voltar a ver.
O silêncio que se
seguiu ao último acorde foi respeito, foi digestão lenta, foi o corpo a
perceber o que a mente ainda não conseguia explicar.
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