The 113 ao vivo no Sons no Montijo: uma tempestade de tensão e lucidez pós-punk

By VoxPop - agosto 01, 2025

   

  Na noite abafada de 25 de julho, o Montijo foi varrido por uma descarga de som cru, denso e sem concessões. Os britânicos The 113 chegaram sem artifícios e deixaram o público em transe com uma atuação marcada pela precisão cirúrgica, intensidade emocional e um alinhamento poderoso. Para muitos, foi o concerto do festival. Para quem não os conhecia, foi uma apresentação que atravessou a pele e ficou colada aos ossos.

    Os 113 motivos para os ouvir (ou pelo menos 13)

    Originários do Reino Unido, os The 113 não são uma banda para quem procura conforto. A sua sonoridade vive no ponto de fricção entre a claustrofobia urbana e a libertação emocional. Com raízes profundas no pós-punk, naquele território sombrio e urgente que floresceu com Joy Division, Wire, The Fall ou, mais recentemente, Crows e Spectres, a banda constrói paisagens sonoras onde o desconforto é arte. E nós adoramos pós-punk, adoramos o desconforto do som e das palavras, pois mexem com emoções e música que mexe com emoções vale tudo.

    A estética é minimalista, mas a intensidade é total. Letras que falam de apatia, dissociação, ansiedade, alienação, mas também da beleza estranha de observar tudo isso acontecer em tempo real. A sua música pulsa com o peso do concreto e o vazio dos espaços entre palavras. É música feita para ser sentida com o estômago.

    Setlist e narrativa foi uma espiral a partir do abismo. A noite começou com “Backpedaler”, uma abertura que serve de declaração de intenções, não há um terreno seguro, apenas terreno verdadeiro. Com guitarras em loop hipnótico e uma secção rítmica implacável, a banda criou logo ali um vórtice de tensão. O vocalista, olhar fixo num ponto imaginário, parecia distante e presente ao mesmo tempo, o que quanto a nós torna a sua presença muito intensa e interessante.

    “Futility” e “Rats” foram socos sucessivos. A primeira, mais arrastada, mergulha-nos num estado de quase inércia emocional, enquanto a segunda atira-nos diretamente para o caos, com guitarras abrasivas, quase dissonantes, e uma entrega vocal que parecia cuspir desespero.

    Em “Vacant”, o tom muda: menos agressiva, mas mais cortante. Aqui sente-se a herança dos Interpol em dias emocionalmente maus, ou dos Protomartyr em modo contemplativo. A guitarra ecoava como um radar num deserto emocional, enquanto a letra falava de ausência como se fosse um lugar onde se pode viver, ou melhor conviver com a ausência como uma melhor amiga.

    No miolo do concerto, com temas como “Idle”, “Too Awake” e “Nothing”, a banda entrou numa fase quase ritualística, com camadas e camadas de tensão, com momentos em que o silêncio entre faixas era tão pesado quanto o ruído. As dinâmicas entre estrofe e explosão tornaram-se quase previsíveis, mas sempre eficazes. O público, já rendido, oscilava entre o transe emocional e o confronto físico. Adoramos isso nesta banda, eles sobretudo o vocalista enfrenta-nos com o seu olhar, como se estivesse a avaliar-nos mas a sentir o que canta ao mesmo tempo.

    “When I Leave” e “Presence” mostraram uma faceta mais melódica e emocionalmente crua. Em particular, “Presence” foi um dos momentos altos, não tanto pela estrutura da música, mas pela entrega desarmante da banda. Foi ali que o concerto tocou no sublime: quando o ruído se tornou catarse.

    O encerramento foi uma tríade destrutiva: “Fatigue”, “Conscience” e “Pretend”. “Fatigue” soou como o hino involuntário de uma geração exausta. “Conscience” teve algo de espiritual, como se os fantasmas da cidade industrial de onde vieram tivessem subido ao palco. E “Pretend” — última do alinhamento — funcionou como epílogo perfeito: uma reflexão quase niilista, onde tudo se desmorona com beleza.

    O espaço e o som, o contraste entre a música áspera da banda e o cenário bucólico da frente ribeirinha do Montijo só aumentou o impacto. O som esteve, felizmente, à altura: poderoso sem se tornar turvo, com um equilíbrio perfeito entre a secção rítmica e as guitarras. Não havia distrações visuais, apenas luzes e sombras duras, como num laboratório emocional.

    The 113 provaram no Sons no Montijo que são mais do que uma promessa, são uma realidade. A sua atuação foi um mergulho lúcido e brutal numa paisagem emocional onde poucos se atrevem a ir. Não há refrões fáceis, nem momentos “de festival”. Há, sim, verdade. E isso, hoje em dia, é mais raro do que devia, por isso gostamos tanto desta banda, que nunca tínhamos tido oportunidade de ver, mas depois deste concerto, queremos muito voltar a ver.

    O silêncio que se seguiu ao último acorde foi respeito, foi digestão lenta, foi o corpo a perceber o que a mente ainda não conseguia explicar.

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