As Fin del Mundo no Festival Sons do Montijo: A Tempestade sonora que nos consumiu
Há concertos que são uma experiência que nos acrescenta porque nos conseguem fazer viver o concerto com todos os sentidos. As Fin del Mundo no Festival Sons do Montijo foi um desses momentos. A banda argentina, composta por Lucía Masnatta (guitarra e voz), Julieta Heredia (guitarra), Yanina Silva (baixo) e Julieta "Tita" Limia (bateria), trouxe ao palco uma onda sonora tão profunda e imersiva que, logo ao primeiro acorde, sentiu-se como se o tempo e o espaço tivessem parado.
Formadas em Buenos Aires, Fin del Mundo construíram uma sonoridade que reflete a sua terra implacável, misturada com a pulsante energia da cidade. O nome da banda, que faz referência ao "fim do mundo", não é apenas uma provocação, é uma metáfora para a sua visão apocalíptica e a sua capacidade de transformar esse sentimento de inevitabilidade em música. Cada acorde, cada riff de guitarra, parecia um pedaço do universo que se desfazia e se recriava ali, diante de nós.
A noite iniciou-se com "Una temporada
en el invierno", a canção perfeita para abrir o concerto, que
imediatamente nos transportou para uma paisagem invernal e introspetiva. As
guitarras tremiam, suaves e cortantes e a presença delas, foi como se o frio se
espalhasse pelo recinto, criando uma atmosfera de antecipação, mas também de um
certo acolhimento, como se algo de importante estivesse prestes a acontecer.
A transição para
"Cuando todo termine" veio como uma tempestade calma, onde a tensão
crescente nas guitarras de Julieta e a batida sólida de Tita davam espaço a uma
reflexão mais profunda sobre o fim, um fim que, em vez de ser temido, era aceite
com um certo desapego. Não se tratava de desespero, mas de uma resignação quase
poética, que trouxe a plateia para mais perto daquilo que Fin del Mundo queria
transmitir: o fim de uma era, mas também o começo de algo novo.
"El día de las flores" foi o
ponto de contraste, onde a melancolia foi suavemente substituída por uma sensação
mais sonhadora e até luminosa. Como se as flores desabrochassem num inverno
congelante, e a música parecia ser uma fuga temporária da rigidez do mundo lá
fora. Em seguida, "Vivimos lejos" trouxe de volta a densidade
emocional, com as guitarras a reverberar como um eco distante. Uma sensação de
saudade pairava no ambiente, mas não era nostálgica, era uma saudade do que
ainda não aconteceu, do que talvez nunca venha a acontecer.
Por fim apresentaram "El fin del
mundo", a música que transformou a noite numa verdadeira catástrofe
sonora. Foi o momento em que tudo desmoronou. As guitarras gritaram, o baixo de
Yanina estremeceu as fundações do espaço e a bateria de Tita foi como uma
batida de coração acelerada, sinalizando o caos iminente. A música explodiu num
crescendo de energia, onde o post-punk e o shoegaze se fundiram, criando uma
atmosfera de destruição sublime.
"El próximo verano" trouxe uma
leve brisa de esperança, quase como se o verão fosse uma promessa num mundo
perdido, antes da intensificação com "La noche". Aqui, as guitarras
pareciam fazer a noite se estender para sempre, e a energia voltou a ser
abrasadora. Mas foi em "Refugio" que a banda conseguiu criar uma
pausa, uma quietude quase espiritual. A música sugeria que, por mais que o
mundo ruísse ao redor, sempre haveria um lugar para nos refugiarmos, onde a
música poderia nos salvar.
Com "Devenir paisaje", as
guitarras de Julieta e Heredia foram transformando o ambiente numa espécie de
paisagem líquida, onde o som se diluía e se reconstruía, deixando-nos com a
sensação de que o tempo estava a desaparecer. A seguir, "Vendrá la
calma" chegou como uma breve janela de luz no meio da tempestade. Não era
exatamente calma, mas sim uma promessa de que, após a turbulência, um novo
ciclo se iniciaria.
O concerto chegou ao seu clímax com
"El incendio", uma faísca que incendiou tudo ao seu redor. Não era só
o fim de uma música, era o fim de uma era, mas também o despertar para a chama
que continua a arder. As distorções, as batidas mesclaram-se numa explosão de
som, deixando o público atónito, imerso num fogo que não se apagava.
Formadas em 2016, Fin del Mundo rapidamente
se fizeram notar pela sua capacidade de transportar quem as ouve para um outro
universo. No entanto, foi após a sua performance para a rádio KEXP em 2022,
gravada no CCK em Buenos Aires, que a banda ganhou visibilidade internacional.
O seu som singular, marcado por atmosferas densas e poéticas e a sua energia crua,
conquistaram uma legião de fãs por todo o mundo. As letras de Fin del Mundo são
o grito de quem observa o mundo a desmoronar e recusa-se a sucumbir-lhe. São
uma manifestação de resistência, introspeção e força, mesmo quando a realidade
parece estar à beira do fim.
A magia de Fin del Mundo está na sua
habilidade de transformar o silêncio em som, o som em emoção e a emoção numa
experiência única. Cada concerto, como o vivido no Montijo, é uma viagem
sensorial que nos arrasta para dentro do seu mundo e nos deixa com a sensação
de que, mesmo que o fim venha, a música será sempre a nossa salvação. Elas não
tocam apenas para serem ouvidas, tocam para serem sentidos.
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