Sons do Montijo: Quando a Música Não Precisa de Bilhete
Primeiro Dia: Crónica de um festival feito com o coração
Numa altura em que a grande maioria
dos festivais de verão parece ter sido criada por departamentos de marketing e
onde a experiência musical está cada vez mais subjugada a patrocínios, filas e
zonas VIP, há uma pequena revolução a acontecer à beira do Tejo. Chama-se
Festival Sons do Montijo, é gratuito e é, sem exagero, uma carta de amor à
música feita com alma. Quem nos segue já sabe que escrevemos com o coração,
portanto sabe que se afirmamos isto, é porque de facto o sentimos.
O primeiro dia da edição de 2025
deixou bem claro que este é um festival diferente. Não há pulseiras que separam
as pessoas quase como que classes desde a monarquia ao povo, nem zona exclusiva
para influenciadores ou para quem pode pagar mais por aquele golden circle. Há,
sim, uma curadoria cuidada, um público atento e uma cidade inteira que se
transforma num palco vivo. O Sons do Montijo não é sobre lucros. É sobre
paixão. E essa diferença sente-se logo ao primeiro acorde, para não dizer que
mal de põe um pé no espaço do festival.
A marginal do Montijo ganhou vida com
um fluxo sereno de pessoas que sabiam ao que vinham: ouvir. Sem pressas, sem
distrações. As ruas não estavam cercadas por grades, mas abertas a quem
quisesse escutar — e isso, nos dias que correm, é quase revolucionário,
defendemos que a musica e a cultura devem ser acessíveis a todos e cada vez
mais no caso da música está cada vez mais acessível para alguns. Não dizemos com
isto que todos os festivais deveriam ser gratuitos, pois temos a noção dos
custos de cá trazer bandas, pois para além de trabalharmos aqui, também
trabalhamos na área do booking. Mas defendemos que os preços devem ser menos
exagerados do que atualmente são e que dentro dos recintos os bens essenciais
sejam com valores mais acessíveis. O Festival Sons do Montijo é a prova que é possível
fazer um bom festival, com boas bandas, inclusive com bandas vindas de fora,
ser gratuito e ainda praticar preços extremamente acessíveis no espaço do
festival para bebidas e comida. Por isso dizemos que este festival não é sobre
lucros, é sobre a paixão pela música e um festival organizado com a alma.
O festival começou com o Dj Balakovm
seguindo-se o primeiro concerto da noite com Vaiapraia que trouxe uma descarga
de sinceridade e intensidade emocional. Punk queer, cru, íntimo, urgente. Um
concerto que não é fácil de rotular e ainda bem. Com letras afiadas, guitarras
despidas e uma entrega vulnerável, Vaiapraia mais do que atuar, ele expõe-se
sem filtros, é ele sendo ele e é isso que torna os seus concertos sempre tão
diferentes e originais.
Seguiu a noite com Fin del Mundo, um Nevoeiro
argentino a pairar sobre o Tejo. Estávamos com muitas expectativas de as ver,
já nos tinham falado muito bem delas e raios…o concerto foi mesmo bom e posso
disser que superaram as expectativas.
As Fin del Mundo fizeram da
delicadeza o seu maior trunfo. Com um post-rock hipnótico e melodias que
pareciam sopros longos em câmara lenta, o quarteto levou-nos para longe mas que
ao mesmo tempo trouxe-nos para dentro. Um som que parece feito de paisagens
vastas e emoções guardadas, entre guitarras etéreas e baterias suaves, como
quem diz muito sem gritar uma única vez.
The 113 com o seu Pós-punk de arame
farpado foi a banda que se seguiu e se havia tranquilidade antes, os The 113
fizeram questão de a rasgar ao meio. Os britânico trouxeram um set furioso, com
riffs que cortavam o ar e uma secção rítmica que não deixava ninguém
indiferente. Foi sujo, direto, instintivo. Pós-punk sem pose, uma descarga
elétrica que fez estremecer o chão de quem estava na frente e deu um necessário
abanão à noite, que nos deixou com vontade de mais concertos, mas só se seguiu
mais um os Temples, com o seu psicadelismo refinado para um fecho em grande. Já
os vimos diversas vezes, a primeira foi em 2014 quando estavam no inicio e já então
conquistaram o nosso coração. São mestres da estética psicadélica
contemporânea. Vieram com Exotico na bagagem, mas também revisitaram momentos
maiores do seu percurso, como Shelter Song e Keep in the Dark. O som era
límpido, envolvente, quase cinematográfico. A banda parece tocar em camadas: há
o groove, há a melodia, e há aquele brilho quase místico que nos agarra e não
larga. Foi uma viagem daquelas em que não nos importamos de nos perder. Apesar
de ter acabado de forma inesperada por motivos técnicos, adoramos cada minuto.
O que se viveu neste primeiro dia não
foi apenas uma série de concertos, foi uma afirmação, a de que ainda é possível
criar espaços onde a música é o centro — não o adereço. Onde o público é
tratado com respeito, e não como consumidor. Onde o som é cuidado, os horários
respeitados e os artistas celebrados pelo que são, e não pelo número de
seguidores. Onde quem está é pela música e não para lá ir tirar fotografias com
outfits e purpurinas.
O Sons do Montijo é um festival feito
com os pés na terra e o coração ao alto. E por isso, não temos dúvidas:
voltaremos. Porque a música, quando é vivida assim, deixa sempre vontade de
regressar.
Atenta aos nossos posts porque brevemente
iremos publicar todas as fotografias e reviews dos concertos.
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