Sons do Montijo: Quando a Música Não Precisa de Bilhete

By VoxPop - julho 30, 2025

 Primeiro Dia: Crónica de um festival feito com o coração

    Numa altura em que a grande maioria dos festivais de verão parece ter sido criada por departamentos de marketing e onde a experiência musical está cada vez mais subjugada a patrocínios, filas e zonas VIP, há uma pequena revolução a acontecer à beira do Tejo. Chama-se Festival Sons do Montijo, é gratuito e é, sem exagero, uma carta de amor à música feita com alma. Quem nos segue já sabe que escrevemos com o coração, portanto sabe que se afirmamos isto, é porque de facto o sentimos.

    O primeiro dia da edição de 2025 deixou bem claro que este é um festival diferente. Não há pulseiras que separam as pessoas quase como que classes desde a monarquia ao povo, nem zona exclusiva para influenciadores ou para quem pode pagar mais por aquele golden circle. Há, sim, uma curadoria cuidada, um público atento e uma cidade inteira que se transforma num palco vivo. O Sons do Montijo não é sobre lucros. É sobre paixão. E essa diferença sente-se logo ao primeiro acorde, para não dizer que mal de põe um pé no espaço do festival.

    A marginal do Montijo ganhou vida com um fluxo sereno de pessoas que sabiam ao que vinham: ouvir. Sem pressas, sem distrações. As ruas não estavam cercadas por grades, mas abertas a quem quisesse escutar — e isso, nos dias que correm, é quase revolucionário, defendemos que a musica e a cultura devem ser acessíveis a todos e cada vez mais no caso da música está cada vez mais acessível para alguns. Não dizemos com isto que todos os festivais deveriam ser gratuitos, pois temos a noção dos custos de cá trazer bandas, pois para além de trabalharmos aqui, também trabalhamos na área do booking. Mas defendemos que os preços devem ser menos exagerados do que atualmente são e que dentro dos recintos os bens essenciais sejam com valores mais acessíveis. O Festival Sons do Montijo é a prova que é possível fazer um bom festival, com boas bandas, inclusive com bandas vindas de fora, ser gratuito e ainda praticar preços extremamente acessíveis no espaço do festival para bebidas e comida. Por isso dizemos que este festival não é sobre lucros, é sobre a paixão pela música e um festival organizado com a alma.

    O festival começou com o Dj Balakovm seguindo-se o primeiro concerto da noite com Vaiapraia que trouxe uma descarga de sinceridade e intensidade emocional. Punk queer, cru, íntimo, urgente. Um concerto que não é fácil de rotular e ainda bem. Com letras afiadas, guitarras despidas e uma entrega vulnerável, Vaiapraia mais do que atuar, ele expõe-se sem filtros, é ele sendo ele e é isso que torna os seus concertos sempre tão diferentes e originais.

    Seguiu a noite com Fin del Mundo, um Nevoeiro argentino a pairar sobre o Tejo. Estávamos com muitas expectativas de as ver, já nos tinham falado muito bem delas e raios…o concerto foi mesmo bom e posso disser que superaram as expectativas.

    As Fin del Mundo fizeram da delicadeza o seu maior trunfo. Com um post-rock hipnótico e melodias que pareciam sopros longos em câmara lenta, o quarteto levou-nos para longe mas que ao mesmo tempo trouxe-nos para dentro. Um som que parece feito de paisagens vastas e emoções guardadas, entre guitarras etéreas e baterias suaves, como quem diz muito sem gritar uma única vez.

    The 113 com o seu Pós-punk de arame farpado foi a banda que se seguiu e se havia tranquilidade antes, os The 113 fizeram questão de a rasgar ao meio. Os britânico trouxeram um set furioso, com riffs que cortavam o ar e uma secção rítmica que não deixava ninguém indiferente. Foi sujo, direto, instintivo. Pós-punk sem pose, uma descarga elétrica que fez estremecer o chão de quem estava na frente e deu um necessário abanão à noite, que nos deixou com vontade de mais concertos, mas só se seguiu mais um os Temples, com o seu psicadelismo refinado para um fecho em grande. Já os vimos diversas vezes, a primeira foi em 2014 quando estavam no inicio e já então conquistaram o nosso coração. São mestres da estética psicadélica contemporânea. Vieram com Exotico na bagagem, mas também revisitaram momentos maiores do seu percurso, como Shelter Song e Keep in the Dark. O som era límpido, envolvente, quase cinematográfico. A banda parece tocar em camadas: há o groove, há a melodia, e há aquele brilho quase místico que nos agarra e não larga. Foi uma viagem daquelas em que não nos importamos de nos perder. Apesar de ter acabado de forma inesperada por motivos técnicos, adoramos cada minuto.

    O que se viveu neste primeiro dia não foi apenas uma série de concertos, foi uma afirmação, a de que ainda é possível criar espaços onde a música é o centro — não o adereço. Onde o público é tratado com respeito, e não como consumidor. Onde o som é cuidado, os horários respeitados e os artistas celebrados pelo que são, e não pelo número de seguidores. Onde quem está é pela música e não para lá ir tirar fotografias com outfits e purpurinas.

    O Sons do Montijo é um festival feito com os pés na terra e o coração ao alto. E por isso, não temos dúvidas: voltaremos. Porque a música, quando é vivida assim, deixa sempre vontade de regressar.

    Atenta aos nossos posts porque brevemente iremos publicar todas as fotografias e reviews dos concertos.

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