Adeus ao Musicbox: Lisboa Perde Mais do que um Clube – Perde Parte de Si
No próximo dia 15 de setembro de 2025, encerra portas um dos últimos bastiões da cultura alternativa lisboeta. O Musicbox, ícone incontornável do Cais do Sodré e da vida noturna da capital, despede-se ao fim de quase 19 anos de história. O anúncio do seu fecho não representa apenas o fim de um clube — marca o ponto final de uma era e de um bairro que, para muitos, já há muito deixou de existir como o conhecíamos.
Um bairro transformado… e perdido
O Cais do
Sodré foi, durante anos, o epicentro de uma Lisboa vibrante, alternativa, onde
a música, a liberdade e a autenticidade conviviam com naturalidade. Hoje, é o
espelho de uma cidade transformada pelo turismo de massas, com ruas dominadas
por pessoas que tentam impingir os seus “produtos” a quem passa na rua, bares e
restaurantes com preços desenhados para turistas e nómadas digitais. Aquilo que
outrora era um espaço de encontro para a comunidade tornou-se numa versão
pasteurizada de Lisboa — bonita por fora, mas distante da sua essência.
O Musicbox
era, para muitos, o último refúgio. Um espaço onde a música verdadeira pulsava,
onde os DJ sets e concertos criavam noites de partilha, liberdade e
criatividade. Para nós — como clientes, mas também enquanto imprensa cultural —
foram sempre os concertos que mais nos levavam até ali, e que tornavam este
lugar tão especial.
Mas o
Musicbox não está sozinho nesta despedida. Sabotage, Tokio, Lounge…
nomes que, para os que viveram a Lisboa alternativa, trazem memórias fortes.
Muitos fecharam portas. Outros, como o Tokio e o Jamaica, mudaram de
localização. Os novos espaços, dominados por um público turístico e com preços
incomportáveis para os lisboetas, já não são o que eram. E o ambiente, esse,
mudou radicalmente.
A última trincheira cultural
Para quem
frequentava locais como o Sabotage, o Musicbox representava a última
trincheira de uma Lisboa autêntica, resistente ao processo de gentrificação
e de “limpeza” cultural do centro da cidade. O seu encerramento é mais do que
simbólico — é um retrato de uma capital que se afasta da sua cultura local em
nome do lucro fácil.
É
verdade: há um certo alívio em deixar de ter de ir ao Cais do Sodré — um bairro
que se tornou insuportável para quem lá ia há uns anos atrás. Mas o sentimento
predominante é de tristeza profunda. Porque com o fim do Musicbox, Lisboa
perde mais um pedaço da sua alma. Uma cidade que foi, durante anos, um
espaço de liberdade criativa, de arte crua, agora parece cada vez mais um palco
encenado para turistas.
Uma nova casa no Beato e a esperança
O Beato
pode tornar-se um novo centro de criação, longe da turistificação desenfreada
do centro. Mas se Lisboa continuar a perder espaços genuínos, arrisca-se a
tornar-se uma cidade para turistas, e não para quem a vive, cria e
respira.
Uma cidade para quem a habita
É essa a
luta: por uma Lisboa onde ainda seja possível sair à noite, ouvir boa música,
beber um copo a preços justos, sem ser empurrado para fora por uma
economia orientada para visitantes de curto prazo. Uma cidade onde os seus
habitantes tenham espaço para viver — e não apenas para servir.
É
importante reforçar que os turistas não são o problema. Estão a
aproveitar as suas férias, despedidas de solteiro/a ou escapadinhas. O problema
está na forma como Lisboa se entregou, quase sem resistência, a uma lógica de
lucro imediato, esquecendo o impacto profundo que isso tem na vida cultural,
social e económica de quem cá vive todo o ano.
Por uma Lisboa com cultura acessível e viva
O
encerramento do Musicbox é mais um alerta. Mais do que nostalgia, é um chamado
à ação. Precisamos de espaços culturais vivos, alternativos, acessíveis e
fora do radar turístico. Precisamos de uma Lisboa onde a cultura não seja um
produto, mas uma vivência.
Como
disse o arquiteto Oscar Niemeyer:
"Os
espaços culturais são necessários para que a cultura possa circular, se
expandir e alcançar as pessoas. Sem esses espaços, a cidade perde sua essência,
pois a arte e a cultura são o que fazem uma sociedade viva e plural."
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