Adeus ao Musicbox: Lisboa Perde Mais do que um Clube – Perde Parte de Si

By VoxPop - agosto 29, 2025

No próximo dia 15 de setembro de 2025, encerra portas um dos últimos bastiões da cultura alternativa lisboeta. O Musicbox, ícone incontornável do Cais do Sodré e da vida noturna da capital, despede-se ao fim de quase 19 anos de história. O anúncio do seu fecho não representa apenas o fim de um clube — marca o ponto final de uma era e de um bairro que, para muitos, já há muito deixou de existir como o conhecíamos.

Um bairro transformado… e perdido

O Cais do Sodré foi, durante anos, o epicentro de uma Lisboa vibrante, alternativa, onde a música, a liberdade e a autenticidade conviviam com naturalidade. Hoje, é o espelho de uma cidade transformada pelo turismo de massas, com ruas dominadas por pessoas que tentam impingir os seus “produtos” a quem passa na rua, bares e restaurantes com preços desenhados para turistas e nómadas digitais. Aquilo que outrora era um espaço de encontro para a comunidade tornou-se numa versão pasteurizada de Lisboa — bonita por fora, mas distante da sua essência.

O Musicbox era, para muitos, o último refúgio. Um espaço onde a música verdadeira pulsava, onde os DJ sets e concertos criavam noites de partilha, liberdade e criatividade. Para nós — como clientes, mas também enquanto imprensa cultural — foram sempre os concertos que mais nos levavam até ali, e que tornavam este lugar tão especial.

Mas o Musicbox não está sozinho nesta despedida. Sabotage, Tokio, Lounge… nomes que, para os que viveram a Lisboa alternativa, trazem memórias fortes. Muitos fecharam portas. Outros, como o Tokio e o Jamaica, mudaram de localização. Os novos espaços, dominados por um público turístico e com preços incomportáveis para os lisboetas, já não são o que eram. E o ambiente, esse, mudou radicalmente.

A última trincheira cultural

Para quem frequentava locais como o Sabotage, o Musicbox representava a última trincheira de uma Lisboa autêntica, resistente ao processo de gentrificação e de “limpeza” cultural do centro da cidade. O seu encerramento é mais do que simbólico — é um retrato de uma capital que se afasta da sua cultura local em nome do lucro fácil.

É verdade: há um certo alívio em deixar de ter de ir ao Cais do Sodré — um bairro que se tornou insuportável para quem lá ia há uns anos atrás. Mas o sentimento predominante é de tristeza profunda. Porque com o fim do Musicbox, Lisboa perde mais um pedaço da sua alma. Uma cidade que foi, durante anos, um espaço de liberdade criativa, de arte crua, agora parece cada vez mais um palco encenado para turistas.

Uma nova casa no Beato  e a esperança

O futuro do Musicbox continuará no Beato, na Casa Capitão, novo centro cultural que tem vindo a afirmar-se nos últimos anos. É um alívio saber que o projeto terá continuidade. Mas a saudade do espaço original será difícil de apagar.
O ambiente do clube debaixo das arcadas do Cais do Sodré era único: a fusão entre a arquitetura antiga e a energia moderna criava uma atmosfera irrepetível. O som a ecoar nas paredes, os rostos familiares, a sensação de estar num reduto de resistência cultural... tudo isso ficará para trás.

O Beato pode tornar-se um novo centro de criação, longe da turistificação desenfreada do centro. Mas se Lisboa continuar a perder espaços genuínos, arrisca-se a tornar-se uma cidade para turistas, e não para quem a vive, cria e respira.

Uma cidade para quem a habita

É essa a luta: por uma Lisboa onde ainda seja possível sair à noite, ouvir boa música, beber um copo a preços justos, sem ser empurrado para fora por uma economia orientada para visitantes de curto prazo. Uma cidade onde os seus habitantes tenham espaço para viver — e não apenas para servir.

É importante reforçar que os turistas não são o problema. Estão a aproveitar as suas férias, despedidas de solteiro/a ou escapadinhas. O problema está na forma como Lisboa se entregou, quase sem resistência, a uma lógica de lucro imediato, esquecendo o impacto profundo que isso tem na vida cultural, social e económica de quem cá vive todo o ano.

Por uma Lisboa com cultura acessível e viva

O encerramento do Musicbox é mais um alerta. Mais do que nostalgia, é um chamado à ação. Precisamos de espaços culturais vivos, alternativos, acessíveis e fora do radar turístico. Precisamos de uma Lisboa onde a cultura não seja um produto, mas uma vivência.

Como disse o arquiteto Oscar Niemeyer:

"Os espaços culturais são necessários para que a cultura possa circular, se expandir e alcançar as pessoas. Sem esses espaços, a cidade perde sua essência, pois a arte e a cultura são o que fazem uma sociedade viva e plural."

E é exatamente isso que está em risco: a essência de Lisboa.
O Musicbox vai fechar, mas a memória vive. E com ela, a vontade de lutar por uma cidade mais genuína, mais inclusiva, e onde a cultura continue a ter lugar para respirar — fora dos folhetos turísticos.

 

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