Father John Misty no MEO Kalorama: elegância melancólica e sedução em surdina

By VoxPop - junho 24, 2025

    Na primeira noite do MEO Kalorama, entre nomes mais ruidosos e propostas de catarse imediata, foi Josh Tillman, sob o seu já consagrado alter ego Father John Misty, quem ofereceu um dos concertos mais densos, refinados e cativantes do festival. Com uma entrega simultaneamente contida e teatral, Tillman assumiu o palco como um verdadeiro gentleman da pop contemporânea: enigmático, romântico e ironicamente sedutor.

Um crooner pós-moderno: charme silencioso e cinismo orquestrado

    Desde os primeiros acordes de “I Guess Time Just Makes Fools of Us All”, tornou-se evidente que este não seria um concerto convencional. Sem apelos à euforia nem gestos grandiloquentes, Tillman ocupou o espaço cénico com uma presença magnética, quase cinematográfica. As suas danças discretas — pequenos movimentos de anca, balanços subtis do tronco, um jogo de silhuetas entre luz e sombra — funcionaram como prolongamentos da música. Mais do que coreografia, eram sugestões de desejo, traços de um erotismo contido que nunca se ofereceu de forma explícita.

    O seu lado sedutor não está apenas na pose: está na voz grave, flexível, que tanto sussurra ao ouvido como se abre em frases amplas e melancólicas; está no humor seco entre canções, nas pausas calculadas, no olhar de soslaio que acompanha versos como se fossem confidências partilhadas apenas com quem escuta com atenção.

Rigor instrumental e ambiente cinematográfico

    Musicalmente, o concerto foi um exercício de equilíbrio e contenção. A banda, exímia, privilegiou a nuance e a textura, com arranjos que soaram tão orgânicos quanto meticulosamente desenhados. Cordas e metais surgiram com uma elegância quase de música de câmara, apoiando a voz de Misty sem jamais sobrepor-se. A secção rítmica, sempre segura, manteve um pulso discreto mas vital, a espinha dorsal de temas como “Mr. Tillman”, “Chloë and the Next 20th Century” e a densa “Mahashmashana”.

    Foi nesta última que se revelou um dos pontos altos da noite: quase dez minutos de progressão emocional onde se cruzaram espiritualidade, colapso e contemplação, um verdadeiro momento de suspensão dentro do frenesim habitual dos festivais.

Um concerto que exigiu atenção mas recompensou

   Ao longo de cerca de uma hora, Tillman recusou facilitismos. Não houve momentos de clímax óbvio nem explosões sonoras. Em vez disso, ofereceu ao público um espectáculo de mood, de sugestão, onde cada canção funcionou como um capítulo de uma narrativa maior: a do homem moderno em conflito entre o desejo, o desencanto e a pose.

    Encerrando com a intensa “I Love You, Honeybear”, deixou em palco um rasto de elegância melancólica daqueles raros concertos onde menos é realmente mais, e onde o carisma se mede em silêncio e detalhe.

Setlist

1. I Guess Time Just Fools of Us All

2. Josh Tillman and the Accidental Dose

3. Nancy From Now On

4. Mr. Tillman

5. She Cleans Up

6. Screamland

7. Mental Health

8. Mahashmashana

9. I Love You, Hneybear

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