L’Impératrice no MEO Kalorama: Entre o Groove do Presente e as Sombras do Passado

By VoxPop - junho 25, 2025

    Na noite de 19 de julho de 2025, o palco San Miguel do MEO Kalorama, em Lisboa, foi cenário de um momento de viragem para os L’Impératrice e não apenas pela intensidade luminosa do seu universo sonoro. A banda francesa, conhecida pela sua fusão refinada de disco, funk e pop eletrónico, tem uma nova vocalista, que ainda não tínhamos tido oportunidade de ver ao vivo: Maud “Louve” Ferron. Uma mudança de rosto e de timbre que marca uma fase de reconstrução estética e emocional, depois da saída abrupta e controversa de Flore Benguigui, voz emblemática da formação original.

    Apesar do peso simbólico da mudança, o concerto decorreu com uma notável fluidez e uma elegância coreografada. O alinhamento abriu com “Cosmogonie”, estabelecendo de imediato a assinatura retrofuturista da banda, sintetizadores envolventes, grooves elásticos e uma estética visual cuidada e seguiu com temas como “Danza Marilù”, “Amour Ex Machina”, “Agitations Tropicales” e um cover confiante de “Aerodynamic” dos DaftPunk. Louve revelou-se tecnicamente sólida, com uma presença vocal segura, embora naturalmente distinta da sua antecessora. A sua interpretação não procurou imitar Flore, mas antes ressignificar o repertório com um fraseado mais direto e um carisma mais discreto, mas igualmente magnético.

    Se, por momentos, se notou alguma tensão entre o arranjo vocal original e a nova tessitura interpretativa, a banda soube compensar com uma secção rítmica coesa, linhas de baixo ágeis e uma direção musical que apostou mais na dinâmica do corpo do que na nostalgia da voz. A última sequência com “Voodoo” e “Entropia” foi recebida com euforia pelo público, que respondeu à entrega com dança, mesmo nas horas tardias da madrugada.

Por detrás deste brilho renovado, contudo, paira uma nuvem espessa: a saída de Flore Benguigui, tornada pública no final de 2024, deixou de ser apenas uma separação artística para se transformar num caso de alegações sérias e com ressonância pública. Inicialmente justificada por “desgaste físico e psicológico” e “divergências criativas”, a ex-vocalista viria a denunciar, meses depois, um ambiente interno marcado por sexismo estrutural, humilhação profissional e comportamentos de controlo emocional. Em entrevista ao Mediapart, Benguigui descreveu episódios de microagressões constantes, alegando ter sido forçada a realizar tarefas domésticas para os colegas (como lavar e passar os fatos da banda), sofrido crises de ansiedade, e negligência médica após perder a voz durante meses sem apoio adequado.

    Estas declarações abalaram a perceção pública do grupo, gerando críticas de fãs que se sentiram traídos, não tanto pela mudança em si, mas pela forma como foi comunicada: muitos referiram sentir-se enganados por terem adquirido bilhetes para uma digressão sem saber que Flore já não faria parte do alinhamento. A banda respondeu com um comunicado institucional, negando qualquer comportamento abusivo e descrevendo os conflitos como “mal-entendidos humanos e artísticos”.

    Em palco, no entanto, essa tensão foi deixada de fora. L’Impératrice optaram por não mencionar diretamente a sua antiga vocalista, mas fizeram questão de apresentar Louve com entusiasmo e gratidão, destacando a sua integração rápida e a energia que trouxe à formação. A recepção em Lisboa foi calorosa, e se houve resistência prévia à mudança, ela parece ter-se diluído na eficácia do espetáculo ao vivo. A escolha de manter o foco na música e não no escândalo, revelou-se eficaz, embora não apague a complexidade do momento que a banda atravessa.

    O concerto no Kalorama não foi, portanto, apenas mais uma atuação bem-sucedida de uma banda em digressão. Foi um ato de reposicionamento, em que os L’Impératrice tentaram provar, com groove e elegância, que são maiores do que o drama que os envolve — ainda que esse drama, inevitavelmente, continue a ecoar fora do palco. Louve não apagou Flore, mas mostrou que há vida para além dela. Resta saber se, com o tempo, haverá também reconciliação entre a memória e o presente.

SetList

1. Cosmogonie

2. Amour Ex Machina

3. La Lune

4. Anomalie Bleue

5. Me da igual

6. Danza Marilù

7. Sweet & Sublime

8. Subamarine

9. La piscine

10. Voodoo?

11. Aerodynamic (Daft Punk Cover)

12. Entropia

Para veres todas as nossas fotografias do concerto vai ao nosso instagram.


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