O segundo dia do MEO Kalorama trouxe uma sensação de alívio, pois o calor, que no dia anterior parecia querer derreter a cidade, deu lugar a uma tarde mais amena, quase primaveril. O Parque da Bela Vista estava mais respirável, com uma brisa leve que aliviava o peso da festa. O público, agora mais relaxado e embalado pela energia que se acumulava ao longo da tarde.

    No Palco MEO, a tarde começou com a energia incandescente de Cíntia by Chelas é o Sítio. O rap português e as batidas urbanas tomaram conta do espaço, com letras afiadas e uma mensagem clara: o grito de um bairro que se faz ouvir. A conexão com o público foi imediata, quase intensa. A atmosfera foi montada.

    Mais tarde, Best Youth trouxe uma suavidade melancólica ao palco, com o seu dream pop imersivo. A banda portuguesa soube criar uma espiral emocional onde as guitarras etéreas e a voz doce de Catarina Salinas se tornaram os pontos de fuga para um público que já se deixava levar pelo ritmo, que subia e descia com a suavidade das ondas.

    Porém, a grande mudança de mood aconteceu quando Azealia Banks subiu ao palco. Ela entrou como um furacão, sem filtros, sem medos. O hip-hop crú e a atitude impetuosa da artista dominavam o ambiente, enquanto a multidão respondia com fervor. “212” fez o Parque vibrar. A energia era densa e feroz, e a comunicação direta entre artista e público foi instantânea. 

    Posteriormente foram os Scissor Sisters a tomar conta do Placo MEO, depois de uma longa ausência regressaram a Lisboa. A sua fusão de pop queer e estética extravagante foi uma explosão colorida no meio da noite. As coreografias, os visuais, as piadas e diálogos com o público, a música, tudo conspirava para criar uma atmosfera de euforia coletiva. O público composto por várias gerações, não parava, foi uma celebração total da identidade, do brilho, da liberdade

    E quando a noite parecia já ter alcançado o seu auge, FKA twigs subiu ao palco para redefinir o significado de performance ao vivo. Com o seu álbum Eusexua em destaque, a artista trouxe uma atuação que foi muito mais do que um simples concerto: foi um mergulho no experimentalismo, no digital, no corpo e na tecnologia. Cada movimento, cada luz, cada som era meticulosamente desenhado para criar um universo próprio. FKA twigs não cantava só para o público, ela falava diretamente com os corpos presentes, ativando cada sentido. Aliás os corpos em palco falavam por movimentos com o publico, todas as cores terra, os movimentos, era como sentir o concerto com os vários sentidos.

    No Palco San Miguel, a tarde também foi de descobertas. Heartworms iniciou o ciclo com uma mistura de pop obscuro e texturas de sintetizador que envolviam o público. Os MAQUINA trouxe a lusofonia com uma pegada moderna e orgânica, desafiando convenções. A sua mistura de batidas electrónicas e guitarras pesadas fez a transição perfeita para o som abrasivo de Model/Actriz, que por sua vez incendiou o palco com a sua energia punk e a presença de palco absolutamente magnética. Esta era uma das bandas que mais queríamos ver e o concerto não desiludiu.

    Mais tarde, Boy Harsher trouxe uma sonoridade pesada, quase industrial, que submergiu os ouvintes numa onda de tensão e eletricidade. A sua combinação de techno minimalista e batidas sujas fez da sua atuação uma experiência sensorial quase física. Já Róisín Murphy não surpreendeu em nada, mas foi bom rever o concerto.

    No Palco Panorama Lisboa, a programação também não decepcionou. Viegas, com as suas batidas electrónicas, construiu a fundação para o que viria a ser uma noite cheia de energia. A transição para Identified Patient trouxe uma vertente mais experimental e intensa ao palco, com sons abstractos que desafiaram os limites do techno. Quando Kelly Lee Owens assumiu o comando, a sua fusão de sons ambientais com techno pop levou todos a uma viagem introspectiva, enquanto a bateria pulsante da sua música não deixava ninguém parado. Finalmente, Helena Hauff fez questão de mostrar quem manda na pista. Com os seus sets implacáveis e uma energia que não dava tréguas, ela garantiu que a noite terminasse com a adrenalina a mil, mantendo a festa viva e feroz até ao último beat.

    O segundo dia do MEO Kalorama foi uma espécie de batalha sensorial entre som e corpo, entre visual e música, entre intimidade e espetáculo. Cada palco ofereceu uma faceta diferente de intensidade.  Consideramos que foi também um tributo à diversidade, com a fusão de diferentes estilos, influências e vozes a criar uma tapeçaria vibrante e multifacetada.

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