Entre o Sussurro e o Trovão: Javisol e Caio ao Vivo no Coliseu Club
Na noite de 11 de abril, o Coliseu Club acolheu uma proposta bastante marcante da música portuguesa contemporânea. Javisol e Caio apresentaram-se como dois polos opostos que se atraem: um mais contido, quase meditativo; o outro furioso, catártico. Mas ambos carregados de autenticidade e rigor artístico.
Caio e a construção do silêncio como forma de resistência
Caio abriu a noite com a apresentação ao vivo do seu novo álbum Ritmo da Procura, um disco que se revela mais na escuta atenta do que no imediatismo melódico. O músico mostrou um domínio claro da estética minimalista, tanto na instrumentação quanto na presença em palco. Acompanhado apenas por piano (num registo notavelmente sensível de António Reis), e com uma tímida presença de eletrónica ambiental, Caio fez da fragilidade a sua força.
As estruturas harmónicas — simples, mas eficazes — serviram como pano de fundo para letras que mergulham na introspeção e no desconcerto emocional. Se por vezes a articulação vocal se mostrou quase murmurada, isso apenas reforçou a intencionalidade estética: Caio está menos interessado em cantar alto do que em fazer sentir fundo.
Destacam-se momentos onde a harmonia flutua em tons menores, e o ritmo é quase ausente — mas nunca monótono. A tensão está precisamente na espera, na sugestão. É um concerto para dentro, feito com inteligência e coragem.
A combustão como poética de palco de Javisol
Quando Javisol tomou o palco, a atmosfera mudou radicalmente. O coletivo, liderado por Tiago Jesus, trouxe ao Coliseu um espetáculo que é, ao mesmo tempo, ensaio emocional e laboratório sonoro. O seu disco de estreia — homónimo — já havia causado impacto, mas ao vivo, as suas faixas ganham outra dimensão: mais agressivas, mais orgânicas, mais livres.
Tecnicamente, a banda mostra um apuro surpreendente. As guitarras, cheias de texturas e delay, lembram paisagens pós-rock, mas com o peso dramático do fado urbano. A secção rítmica é inventiva, com dinâmicas que desafiam a fórmula verso-refrão, e há uma clara intenção performativa em cada gesto da banda. Tiago Jesus é um vocalista magnético — nem sempre perfeito na afinação, mas sempre verdadeiro na entrega. E isso, naquele contexto, vale mais.
Há aqui um novo tipo de canção portuguesa a nascer — herdeira do fado, sim, mas também do punk, da poesia beat, da Lisboa multicultural e barulhenta de hoje.
Os concertos de Javisol e Caio no Coliseu não foram apenas um evento — foram um manifesto. Mostraram que a nova música portuguesa está a ultrapassar rótulos, a fundir géneros, e a dar espaço a vozes autênticas que recusam os caminhos fáceis. Caio constrói com o silêncio; Javisol explode com o ruído. E entre ambos, o público viu-se espelhado: feito de contradições, de emoção, de procura.
Foi uma noite que deixou no ar a sensação de que algo está a mudar — e que estamos, talvez, a assistir ao início de uma nova vaga artística nacional, mais profunda, mais honesta, mais nossa, ou seja uma nova cena a germinar.
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