Há quem suba ao palco para entreter. E há quem o pise como se fosse um altar. Anohni, and the Johnsons, não canta, ela invoca.

    É música feita de silêncio, dor e luz filtrada por lágrimas. Uma oração sem religião, um manifesto sem raiva, um abraço onde antes havia espinhos.

    Ao ouvi-la, há uma sensação de estar a espiar algo íntimo, quase proibido, como ler uma carta de amor que não te foi endereçada, mas que, de repente, te descreve. Imagina que encontras uma carta num bolso de um casaco que compraste num flea market, abres o envelope e lês tudo com atenção e por minutos parece que foi escrita para ti, os nomes são outros, a data é diferente, mas os sentimentos que transbordam são os mesmos e consegues ver isso nas lágrimas que mancharam a letra na carta.
A sua voz não sai da garganta: vem das entranhas, atravessa o peito do mundo e instala-se ali, entre o coração e o estômago, onde guardamos tudo o que não sabemos dizer.

    Com discos como “I Am a Bird Now” e “The Crying Light”, Anohni ofereceu-se inteira, mulher trans, artista, espírito político, corpo vulnerável e voz irrepetível. Acompanhada pelos Johnsons, regressa agora aos palcos não como quem volta, mas como quem renasce.
E quando isso acontecer, no Primavera Sound Porto 2025, ninguém vai saber muito bem o que fazer com o que sente. E isso é o milagre.

    Porque a música dela não se aplaude, sustem-se na respiração.
E depois, se houver forças, chora-se um pouco, prometemos que é um concerto que vais adorar ver e sentir.