Não seria uma parceria provável, este mundo tão fantasioso, abstrato e poético de Kevin Morby com o universo tão organizado e técnico de uma pauta da Ensemble. Contudo, surpreendentemente, a fusão desses dois mundos tão distintos revelou-se não apenas possível, mas incrivelmente impactante. Já sabíamos, há vários anos, que Kevin Morby tem uma afeição especial por Portugal, um país que adora, e que mantém uma ligação estreita com alguns amigos por cá. Foi precisamente através de um desses amigos que surgiu a ideia de unir forças com a talentosa Ensemble da Escola Profissional de Música de Espinho para realizar uma pequena tour por várias cidades de Portugal.
Tivemos a sorte de estar presentes no concerto de Lisboa, que teve lugar no imponente auditório da Culturgest, e honestamente, não conseguimos imaginar uma escolha mais perfeita de sala. O ambiente era absolutamente ideal para a performance: a sala, completamente esgotada, irradiava uma energia única. Tínhamos a sorte de estar na quinta fila, bem no centro, e nem conseguimos conter a alegria quando vimos os lugares que nos foram destinados – parecia um privilégio estar tão perto daquele momento tão especial.
O palco, iluminado com suavidade, exibia um piano clássico, cadeiras cuidadosamente dispostas para as cordas, uma bateria e um vibrafone, todos alinhados com precisão, como peças de um delicado quebra-cabeças musical. No centro, um microfone estava rodeado de ramos de rosas vermelhas, conferindo um toque de sofisticação e romantismo à cena. Primeiro, os músicos da Escola Profissional de Música de Espinho entraram, e após uma calorosa e vibrante salva de palmas, foi a vez de Kevin Morby fazer a sua entrada. Ele estava impecavelmente vestido com um fato preto, com debrum branco, e sapatos elegantes e refinados, contrastando com a sua habitual postura mais informal nos palcos. A sua presença, sempre carismática, brilhou de maneira única, fazendo com que todos os olhares se voltassem imediatamente para ele.
Estávamos ansiosos para descobrir como as músicas que conhecemos tão bem seriam reinterpretadas neste contexto. Sabíamos que precisariam de arranjos diferentes para serem tocadas por instrumentos tão diversos dos habituais nos concertos de Kevin Morby, e com isso, seria inevitável que soassem de forma distinta. No entanto, o que aconteceu foi uma perfeita fusão. O espírito livre e descomplicado de Kevin, que habitualmente canta temas profundos, intensos e poéticos de uma maneira solta e vibrante, neste formato mais formal, não soou deslocado, mas sim integrado, criando uma harmonia sublinhada pela grandiosidade da performance. O início do concerto foi um convite irresistível a mergulharmos nesta nova abordagem – foi impossível não nos deixar envolver pela suavidade dos violinos e violoncelos, que não se sobrepuseram ao som da guitarra e voz de Kevin, mas se entrelaçaram com elas de maneira sublime, criando uma melodia bucólica e etérea que encantava a cada acorde.
O vibrafone, com a sua sonoridade cintilante, destacou-se particularmente, tomando as rédeas da percussão e conferindo às músicas uma nova dimensão, mais mágica e especial. A cada batida, o ambiente parecia transformar-se, impregnado de uma beleza única e envolvente.O concerto contou com várias músicas icónicas do repertório de Kevin Morby, como "This is a Photograph" e "Destroyer", que foi tocada ao piano, de maneira simples, mas com uma intensidade tocante. "Beautiful Stranger", com a sua batida envolvente, quase nos fez levantar da cadeira e dançar, enquanto "Five Easy Pieces" foi cantada de forma quase visceral, sem guitarra, como uma verdadeira catarse emocional. Entre essas canções, Kevin surpreendeu o público com uma versão comovente de "Texas When You Go", um cover de John Callahan, que ele introduziu com uma breve explicação sobre o autor e a sua importância para a música.
O concerto teve direito a um merecido encore, com Kevin e a banda a retornarem ao palco para uma última performance de "Harlem River" e terminou com uma gigantesca ovação de pé, marcada por um entusiasmo colectivo e uma vontade incontrolável de ver tudo novamente.
Já assistimos a diversos concertos de Kevin Morby ao longo dos anos, mas nunca antes sentimos o impacto emocional de suas músicas de forma tão profunda e arrebatadora como nesta apresentação. Foi uma experiência verdadeiramente única, onde a fusão entre a liberdade criativa de Kevin e a técnica refinada da Ensemble de Espinho resultou em algo que transcendeu a simples performance musical, transformando-se numa verdadeira obra de arte.
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